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COMPORTAMENTO: ‘Filho, precisamos conversar’: 10 formas de conduzir um papo sobre ataques em escolas

Crianças, adolescentes e responsáveis estão em alerta, e é preciso saber tratar do assunto para reduzir ansiedade e medo; veja dicas de especialistas

“Ele está com medo, teve pesadelo, toda hora fala disso. Fui obrigada a trazer esse assunto para o meu filho porque o pânico se instalou na sala dele, na escola, e Caio* veio me perguntar se era verdade tudo isso. Eu tive que dizer a ele que sim, que podia acontecer”. Filho da enfermeira Ana*, Caio tem 8 anos e já não se sente seguro em ir para a escola. “Eu não estou sabendo lidar, ele não está sabendo lidar. A verdade é que nos sentimos impotentes, sem saber como agir”, complementa Ana, que já começou a ter essa conversa em casa.

Depois da pandemia e da ansiedade de voltar às aulas presenciais, o sentimento de insegurança generalizada toma conta de pais e alunos, diante de ataques violentos em escolas de todo o país. Cenário que faz com que a família se questione: quais os caminhos possíveis para abordar o assunto em casa e lidar com medos e traumas?

Para o psicólogo Rodrigo Guimarães, professor universitário e mestre em Análise do Comportamento, o mais importante nesse momento é que os pais identifiquem, independente da idade, se essa criança ou adolescente está com medo, ou não, e monitorem também o consumo de mídia, sobretudo a de caráter sensacionalista.

“Tem crianças de 7 anos que já tem um repertório um pouco mais desenvolvido do que crianças de 9 anos, por exemplo. Então, a abordagem vai depender muito da maturidade e repertório, com o entendimento que ela possa ter de que nós estamos em uma fase difícil. Os pais podem perguntar como ela se sente na escola, como estão as coisas. Esses feedbacks já se tornam um parâmetro para essa conversa”, orienta.

Passo adiante
A partir daí, entendendo essa consciência e o que a criança ou adolescente diz sobre o assunto é que a mensagem vai ser adequada conforme o seu repertório. “É fundamental que os pais passem segurança. O filho quando olha para os pais vê alguém que transmite isso, e ele precisa desse apoio emocional”.

Mãe de Luan, 11, a gerente administrativa Bárbara Luana também chamou o filho, recentemente, para falar sobre o assunto. “A primeira atitude da escola foi comunicar aos pais sobre o que ela está fazendo. Conversei com meu filho, dei alguns conselhos sobre o que fazer caso veja algo suspeito. Por ter 11 anos, ele já entende o que está acontecendo. Chegou a me fazer algumas perguntas e respondi com toda clareza”, conta.

Uma abordagem na mesma proporção das demandas que a criança vai trazer é o conselho da advogada e mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cleo Garcia. Ela é responsável pela pesquisa que associa o crescimento dos casos de massacres nas escolas ao avanço do extremismo no país.

“A família deve ficar atenta e responder às perguntas que a criança fizer, respeitando a idade, com palavras fáceis de entendimento, validando o sentimento que ela traz. Reforçar a ideia de segurança na escola, as interações que ela tem no dia a dia, comentar sobre as pessoas de confiança que ela tem lá”, diz a advogada.

Outra orientação é manter a escola informada se a criança está com algum sentimento de medo para que ela possa ser acolhida lá também. Já no caso de adolescentes, Cleo Garcia pontua que a ideia pode ser trazida num momento de conversa da família.

“É essencial orientar para a dimensão desse problema e principalmente para os pontos de atenção com relação às comunidades, grupos, chats de veiculação de discurso de ódio. A ideia não é confrontar, passar sermão sobre jogos, mas trazer o diálogo com calma, confiança, para que o adolescente se interesse por aquela troca e não se afaste”, indica.

Fingir que isso não existe – com a justificativa de que ‘é melhor que ele nem saiba’ – aumenta o risco de que seu filho acesse outras fontes nem sempre tão confiáveis e que podem levá-lo ao pânico, alerta ainda Cleo Garcia. “Outro ponto nessa conversa com adolescentes está em orientar sobre não desprezar informações que seja veiculada por colegas – tanto de ameaça contra a própria vida quanto ao bem-estar do grupo – para que ele entenda que pode sempre buscar ajuda dos adultos”, complementa.

Efeitos
Antônio* tem 9 anos e é autista. Sua mãe, a assistente social Luísa*, acha ainda mais delicado tratar do tema com o filho. “Eu, como mãe de uma criança autista, me sinto ainda mais insegura devido à fragilidade de meu filho, por ele ser totalmente indefeso. A conversa se torna mais complicada, uma vez que ele não tem esse discernimento e ele não compreende certos assuntos”.

Psicóloga especialista em desenvolvimento infantil e gestalt-terapeuta infanto-juvenil, Nilâine Machado, aponta que o diálogo precisa ser acolhedor, espontâneo, sem pânico e sem punição.

A criança precisa sentir que pode contar com seus adultos de referência para falar sobre qualquer assunto, sem que seja punida ou ter seus sentimentos minimizados. A abordagem deve ser cuidadosa, dizendo a verdade e sem detalhes – é desnecessário, por exemplo, apresentar fotos, áudios e vídeos sobre os ocorridos”, comenta a psicóloga.

Conhecer as estratégias que estão sendo aplicadas pelas escolas pode também ajudar a apaziguar a sensação de insegurança. Sintomas como batimentos cardíacos acelerados, suor, pensamentos constantes de medo, dificuldade em dormir e/ou relaxar, hiper vigilância são alguns dos sinais de que o medo em excesso pode estar causando algum tipo de sofrimento emocional, nos pais ou filhos, como complementa o psicólogo e professor do UniRuy Wyden, Matheus Santana.

Quando o medo atrapalha, é preciso buscar uma ajuda de profissional. Uma educação pautada no autoconhecimento pode auxiliar crianças e adolescentes a perceberem situações atípicas e formas de se protegerem de situações de violências. Uma rede de apoio – família, amigos – também é ferramenta importante de alívio dos sintomas advindos desta emoção”.

Confiança
Filha da professora Jeane Lima, a estudante Esperança, 16, tem recebido uma série de áudios e vídeos que espalham esse clima de terror. “Estão promovendo o caos. A minha filha está apavorada e não quer ir para escola. Também estou com medo de tantas palavras cruéis. Já conversei com ela sobre a possibilidade de atentados e a minha orientação é que ela tente viver a todo custo. Falei para não sentar na frente da turma e não ‘esperar pela morte’. Correr, lutar, fazer o possível para viver”.

Nos grupos de pais, Jeane conta que vê e ouve de tudo. “O assunto está sendo desesperadamente discutido nos grupos de pais. Cada um com um medo maior que o outro. Temendo, com razão, pela vida dos seus filhos. Outros agindo com agressividade, outros passando mal. Minha pressão essa semana ficou bem alta por minha filha ter passado esse susto no colégio. É um terror psicológico com uma série de áudios, fotos, vídeos. É muito triste perceber o grau de perversidade”, lamenta.

O que existe por trás desse medo? A doutora em Psicologia e professora do Idomed Estácio Alagoinhas (BA), Anna Paula Oliveira, enxerga bullying, disseminação de discursos misóginos e racistas, internet disponível (sem restrição) e jovens vulneráveis.

Precisamos investir no cuidado, no equilíbrio e gerenciamento das nossas emoções. Esse seria um dos passos para não entrar em pânico e não deixar o outro ao nosso lado apavorado. E mais uma vez reforço com o cuidado que devemos ter com informações sensacionalistas ou ficar buscando em todos os canais de informações o acontecimento”, opina.

Para dar conta de conversar sobre esse tema, o psicólogo com doutorado em Ciência da Educação, Alessandro Marimpietri, diz que os pais precisam buscar informações confiáveis.

“Me parece quase impossível que as crianças não sejam de algum modo afetadas. Entretanto, devemos evitar o acesso a conteúdos para os quais não estão psiquicamente preparadas e buscar uma aliança família-escola. Afinar esse discurso de proteção e cuidado pode colaborar com uma saída”, aposta.

A professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina de Almeida, concorda. Diálogo, roda de conversa entre a escola e os familiares, um trabalho conjunto. “A escola também está tensa, os profissionais de educação também. É muito diálogo, ouvir, acolher. Se a gente não for junto, não vamos avançar. É conscientizar também que a divulgação em massa dessas mensagens, além de não ajudar, vai provocar pânico e incentivar grupos a continuarem fazendo ameaças falsas ou não. Tornar a escola segura não é uma ação que se possa delegar só a ela mesma. Essa é uma questão que precisa da cooperação de todos nós”, defende.

 

DEZ CAMINHOS PARA O DIÁLOGO EM CASA SOBRE VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Identifique se essa criança ou adolescente está com medo ou não. Monitore também o consumo de mídia e de redes sociais;

A abordagem vai depender muito da maturidade e do repertório da criança, do entendimento que ela possa ter.
Os pais podem iniciar a conversa perguntando como elas estão se sentindo, como estão as coisas na escola, questionarem se gostam ou não de ir para a escola;

O diálogo sempre acolhedor, espontâneo, sem pânico e sem punição. É fundamental que os pais transmitam segurança. É necessário se auto avaliar, enquanto pai e mãe, qual o seu nível de medo e se naquele momento não seria melhor que outra pessoa da família tenha essa conversa;

Outro conselho de especialistas é que a abordagem seja na mesma proporção das demandas que a criança vai trazer. Usar palavras de fácil entendimento, validando o sentimento que ela traz, verificando o que isso está causando nela, sem pressão ou pânico;

Mais uma orientação é manter a escola informada se a criança está com algum sentimento de medo para que ela possa ser acolhida lá também;

Independente da idade, a abordagem deve ser realizada sempre dizendo a verdade e sem detalhes. É desnecessário mostrar fotos, áudios e vídeos sobre os ocorridos;

Na conversa com os adolescentes, reforce sem passar sermão, a dimensão desse problema, principalmente, para os pontos de atenção com relação às comunidades, grupos, chats de veiculação de discurso de ódio;

Oriente sobre não desprezar informações veiculadas por colegas, referentes a ameaça tanto contra a própria vida quanto do grupo:

Não faça de conta que o problema não existe quando seu filho te questionar o que está acontecendo. Isso aumenta o risco de que ele acesse outras fontes nem sempre tão confiáveis e que podem levá-lo ao pânico;

Não é preciso que aconteça um ataque para se falar em casa sobre bullying, cyberbullying, saúde mental e perigo dos discursos de ódio. Afine esse discurso de proteção e cuidado com a escola.

*Nomes fictícios, os personagens pediram a reportagem para não serem identificados.

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